sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O que há numa rede social?

O que há numa ‘rede social’ como o Facebook? Tudo, nada, alguma coisa…

Comecemos pelo princípio. Uma rede é constituída por nódulos, laços e fluxos. Um nódulo é um ponto distinto de uma rede. Um laço liga um nódulo, pelo menos, a outro. Um fluxo é aquilo que circula entre os nódulos através do laço. É a junção específica das qualidades destes três elementos que constitui uma rede.
O que significa, olhando para as redes sociais na internet, que o sentido das mesmas passa em grande medida pelo teor dos fluxos que as constituem, os laços que ligam os seus participantes e os propósitos a partir dos quais se formam.

Quer isto dizer que as redes sociais digitais não são todas sociais do mesmo modo, e mesmo quando o são aparentemente (na sua forma), não o são necessariamente nos seus propósitos. Podemos organizar-nos em rede para ajudar a salvar uma espécie em vias de extinção, tal como o podemos fazer para obter conteúdos pornográficos ou para planear um atentado.

O que acontece então em redes como o Facebook? Tudo isto e mais do que isto, incluindo conteúdos anódinos ou apenas relevantes para quem os criou e decidiu divulgar. Na verdade, em muitos casos nada sabemos (ou pouco) acerca da natureza dos laços que ligam as várias pessoas em rede, mesmo quando fazemos parte (por vezes inadvertidamente) das mesmas. Recebemos pedidos de amizade de pessoas que desconhecemos, do mesmo modo que nos recordam constantemente que temos (pelo menos) um amigo em comum com estas pessoas.

A pressão para estar conectado e alargar (indefinidamente) a nossa rede, anda a par da pressão para estar sempre disponível e acessível, a qualquer hora e em qualquer lugar. Minutos ausentes da rede podem implicar perder informação ou, pior do que isso, ser deixado de fora de algo importante que ocorreu ou que está para ocorrer.

Danah boyd, no seu livro "It’s Complicated", a propósito da utilização de redes sociais por adolescentes americanos, analisa não só as práticas destes (que servem de espelho das dos adultos) como desenvolve uma teoria mais ampla sobre os atributos das redes. Para definir aquilo a que designa públicos em rede, identifica quatro características: a persistência - ou a durabilidade dos conteúdos e formas de expressão online; a visibilidade - ou as audiências potenciais a que se pode chegar; a possibilidade de disseminação - ou a facilidade com que um conteúdo pode ser partilhado; a possibilidade de pesquisar - ou a facilidade de poder encontrar um conteúdo.

Estes atributos não são exclusivos de redes sociais como o Facebook, mas assumem uma configuração particular neste tipo de plataformas, combinando-se de forma específica.

É deste modo que podemos compreender a forma como as idiossincrasias individuais ficam disponíveis por tempo indefinido a um público potencialmente vasto que passa a ser incluído, por ligação directa ou indirecta, na rede de quem teve a iniciativa de criar um dado conteúdo (um post, uma página...) onde dá conta de acontecimentos (banais ou extraordinários) da sua vida, esbatendo a fronteira entre público e privado, mas também erodindo (e iludindo) a proximidade dos laços que ligam vários públicos em rede. Online - através de diversos suportes - todos parecem ter uma voz.

A questão será saber: quem (n)os ouve e porquê?


(Leituras sugeridas:
boyd, danah (2014), It's complicated: The social lives of networked teens, New Haven, Yale University Press.
Simões, José (2008), “De várias malhas se entretece a rede global. Diferenciação cultural, sociedade em rede e internet”, in R. Carmo, D. Melo e R. Blanes (orgs.), Globalização no Divã, Lisboa, Tinta-da-china, pp. 127-145.)



José A. V. Simões

Doutorado em sociologia, docente na FCSH-UNL e investigador no CESNOVA (FCSH-UNL). Investigador em vários projectos nas áreas da sociologia da cultura, juventude e comunicação. Actualmente, coordena o projecto Activismo juvenil em rede: media digitais, movimentos sociais e cultura participativa entre jovens activistas e a participação portuguesa no projecto europeu Net Children Go Mobile. Autor de vários artigos científicos e capítulos de livros sobre os anteriores temas, tendo já publicado 4 livros.

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